Revista de Imprensa - Assim vai a Cultura à moda do Porto!
« O Extravagante»
O sério e
impoluto presidente da Câmara do Porto tem uma noção muito clara do que é
um prejuízo e do que é um investimento. O prejuízo de 1,2 milhões de
euros da organização do Circuito da Boavista ou do Red Bull Air Race é
um investimento porque, nesses dias, não se fala de outra coisa nas ruas
de Oslo e nas curvas do Níger. Os 135 mil euros do despedimento
injustificado, segundo os tribunais, de dois directores da extinta
Culturporto também não podem ser classificados como sendo um
desnecessário prejuízo. As políticas culturais, sejam elas quais forem,
desde que não sejam puro lazer e não ronquem como motores, serão sempre
prejuízos injustificados. Os custos destas indemnizações, às quais se
devem somar as do processo que envolve os restantes funcionários da
empresa que era responsável pela programação e gestão dos espaços
culturais do Porto, foram um investimento de que a cidade precisava. E
barato, se o compararmos com as contas das provas desportivas que tanto
animam o Porto. Só é pena que a nível mundial ninguém fale desses
despedimentos sem fundamento, que tanto poderiam promover a cidade,
sobretudo se se soubesse que quem substituiu o último director da
Culturporto foi uma engenheira alimentar que é irmã do vice-presidente
da autarquia.
Prejuízo era aproveitar os sete milhões de euros
da candidatura conjunta com a Câmara de Matosinhos ao Quadro de
Referência Estratégico Nacional e requalificar a Estrada da
Circunvalação. Afinal, alguém teria de pagar os três milhões que
sobravam. Mas prejuízo, prejuízo a sério, é o dinheiro que a Câmara do
Porto gasta com a Casa da Música e com a sua programação
insuportavelmente elitista. O presidente da câmara quer um "ajustamento"
na programação, que a abra "ainda mais ao público em geral", porque "há
muitos artistas que dizem que querem tocar na Casa da Música e que não
conseguem fazê-lo por razões de programação". Devem ser as mesmas razões
que impedem os pescadores de Massarelos de fazer piruetas sobre o Douro
ou os artistas da Sampaio Bruno de só poderem aspirar a expor aguarelas
na Ordem dos Engenheiros e não no Museu de Arte Contemporânea de
Serralves. Por este andar, a Casa da Música que se acautele. Não lhe vá
aparecer por aí um autarca com um euromilhões na mão e um festival de
folclore transmontano na sala Suggia.
Texto de Amílcar Correia publicado no "Público" de hoje.