As mãos, a alma
Obras de:
Jaime Isidoro
Armando Alves
Augusto Baptista
Acácio Carvalho
Alberto Péssimo
Fernando Lanhas
José Emídio
José Rodrigues
Manuela Bronze
Roberto Machado
"A decrepitude atirou-os para o armazém do Farrapeiro de S. Vicente de
Paulo. Eles que foram moda - a moda - chegavam ao fim. Nus e resignados,
silenciosos como árvores. Como velhos sozinhos. Alguns amputados no
corpo, todos eles vazios de alma. Personagens sem nome na aluvião do
devoluto. Do que foi vida e, graças a generosidade arcaica (será
caridade?), se liberta do lixo. De ser resíduo sólido. Os manequins
aportaram ali, cediam uma réstia de alvura à obscuridade do lugar. (…)
O
corpo é o lugar onde a "alma se exila" na sua passagem terrena, por
isso os crentes vêem a morte como "dádiva" singular. Mas os manequins
estavam mortos e de alma nunca fruíram- o seu corpo sempre foi corpo
desabitado. De vida careciam, de suave luz interior: uma listra negra
colada em redor dos ombros, pedaço de jornal a agasalhar a nudez, pingos
de tinta como chuva colorida no rosto. A mão, as mãos, o gesto. A arte.
E eis as distantes criaturas tocadaspelas paixões da alma.(…)
Esta
prodigiosa transmutação (o quase-lixo vira obra de arte) deve-se a Jaime
Isidoro, Armando Alves, Acácio Carvalho, Alberto Péssimo, Fernando
Lanhas, José Emídio, José Rodrigues, Manuela Bronze e Roberto Machado.
Foram eles, num gesto solidário a vários níveis, que reinventaram a
alma, múltipla e a cores. Ao grupo junta-se outro nome: Augusto
Baptista. Para que dúvidas não restem, com engenho e rigor, fixou alguns
momentos
do acto criativo. E, mais do que isso, as suas fotograftas
mostram-nos o diálogo do criador e da criatura, da criatura e do
criador. Idioma pleno de silêncios, mas límpido, perceptível como árvore
florida A mão, as mãos, muitas mãos: eis os mannequins transfigurados.
Eis os manequins com alma, à procura de novo abrigo - não podia encerrar
aqui a inesperada aventura.
(Francisco Duarte Mangas in Gazeta Literária, número único alusivo à exposição “As mãos, a alma”)
agradeço a colaboração de Carlos Cunha