Doc's Kingdom 2009
Seminário Internacional sobre Cinema Documental
16 a 21 de Junho 2009
Serpa - Portugal
com a presença de:
TIAGO AFONSO | MÓNICA BAPTISTA | EDUARDO ESCOREL |
ROBERT FENZ | SYLVAIN GEORGE | MÁRIO GOMES
MANUEL MOZOS | ALIONA POLUNINA | LEE ANNE SCHMITT
ABDERRAHMANE SISSAKO | GONÇALO TOCHA
e filmes adicionais de:
BRUCE BAILLIE | RAYMOND DEPARDON | COBRA T E COBRA G | PETER HUTTON |
KEN JACOBS | JOHAN VAN DER KEUKEN | MANOEL DE OLIVEIRA |
PIER PAOLO PASOLINI | GLAUBER ROCHA
A edição do
Doc's Kingdom apresenta um percurso por uma série de obras históricas e
contemporâneas, propondo, na tradição do Seminário, uma abordagem
transversal que permita reflectir sobre diversos aspectos da imagem política (e imagem da política) no cinema.
Entre os convidados esperados em Serpa este ano incluem-se Abderramane Sissako.
Considerado um dos mais importantes realizadores africanos da
actualidade, Sissako nasceu em 1961 no Mali, tendo estudado cinema em
Moscovo e rodado o seu primeiro filme em 1989, Le Jeu, seleccionado
para a Quinzena dos Realizadores em Cannes. Os seus filmes cruzam a
ficção e o documentário, pensado como espaço simbólico que permite uma
reflexão sobre temas concretos que se relacionam com o continente
africano de forma crítica, eminentemente política mas igualmente
poética. Realizou, entre outros, Octobre (1993), Rostov-Luanda (1997), La Vie Sur Terre (1998), Heramakomo (2002) e Bamako
(2006). A complexidade e o interesse dos seus filmes reside numa forma
particular de "ruptura" com algum cinema "observacional" e pela forma
como coloca em cena uma visão nova do conflito e história africana. A
obra de Sissako foi objecto de retrospectivas recentes, como aconteceu
em Londres no BFI e vai ser retrospectiva no MoMA em Nova Iorque pouco
tempo depois desta homenagem em Serpa.
Um dos temas presentes neste Seminário é o da memória dos eventos políticos e particularmente da Revolução. Eduardo Escorel, que vai apresentar em Serpa os filmes 35 - O Assalto ao Poder, J. e O Tempo e O Lugar, foi uma das figuras essenciais no Novo Cinema Brasileiro, assinando a montagem das grandes obras de Glauber Rocha como Terra em Transe, mas também de Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade, de Eles Não Usam Black-Tie de Leon Hirszman ou de Cabra Marcado para Morrer de
Eduardo Coutinho. A temática política permanece no centro da sua obra
enquanto realizador, variando entre documentários que procuram pensar a
História do século XX brasileiro e filmes que procuram investigar a
situação política actual e dar a palavra aos intervenientes directos
nas questões sociais do momento. Escorel é igualmente um ensaísta
profícuo que tem reflectido sobre a história recente do documentário.
Vai estar presente em Serpa para falar do seu cinema político e
apresentar uma obra de Glauber Rocha em que colaborou.
Dois filmes evocam a complexidade identitária e política da Rússia contemporânea: o filme de Aliona Polunina, Uma Revolução que não o foi
é uma aproximação impressionante e cumulativa do percurso dos
militantes do partido nacionalista bolchevique russo no ano que
antecedeu as eleições de 2007. Documentário com um fôlego formal
invulgar, centra os acontecimentos na história da relação entre um pai
e um filho, ambos militantes do partido e o seu percurso, ambições e
frustrações, num retrato da Rússia moderna, dos seus líderes políticos
e finalmente da formação da ideologia, do associativismo partidário e
da sombra do totalitarismo político. O filme de Mónica Baptista, Territórios,
atravessa a Rússia num vagão de terceira classe em que viajam, lado a
lado, um soldado russo e um checheno. Mónica Baptista usa esse vagão
como maquete do complexo puzzle político russo, sempre à beira da
desagregação, e acompanha os dois viajantes numa travessia a um tempo
geográfica e histórica.
Robert Fenz, outro dos cineastas presentes em Serpa elege como preocupação fundamental da sua prática cinematográfica a questão da memória política,
da inscrição dos vestígios históricos dos locais que filma numa série
de retratos cinematográficos que se inserem numa tradição rica da
história do cinema que cruza o ensaio visual com as potencialidades
descritivas da imagem. Herdeiro de cineastas como Peter Hutton (com
quem estudou), mas igualmente dos grandes retratistas do século XX,
James Agee ou Rudy Burckhardt, Fenz realizou uma série de "meditações",
aproximações sensíveis e variadas à memória da revolução e da sua
história pessoal na passagem por países como Brasil, Cuba, Polónia,
Turquia e Estados Unidos. Marcado pelo cinema militante clássico,
nomeadamente pelos filmes dos colectivos Newsreel, pela obra de
Santiago Alvarez, mas igualmente pelo cinema experimental, a obra de
Fenz é profundamente marcada pela sua formação como músico de Jazz e
pela colaboração regular com aquele que foi seu professor e mentor, o
trompetista Wadada Leo Smith. A sintaxe dos seus filmes deve então
tanto à sua formação e conhecimento da história do cinema como ao seu
interesse pelas estruturas de improvisação e relação entre imagem e som
(e a sua ausência) que define os seus filmes. Fenz é igualmente
operador de câmara, tendo colaborado com Chantal Akerman em From the Other Side,
o seu filme sobre a fronteira entre o México e os EUA e com outros
cineastas como o libanês Wael Noureddine. Fenz vai apresentar em Serpa
as suas meditações mas igualmente filmes de outros cineastas como Johan
van der Keuken, Ken Jacobs, etc. O próximo projecto de Robert Fenz é
uma reflexão sobre a obra cinematográfica do documentarista Robert
Gardner com quem Fenz teve a oportunidade de colaborar.
Também da memória dos lugares falam os filmes de Manuel Mozos e de Lee Anne Schmitt.
São dois filmes muito diversos, eventualmente até opostos na forma como
abordam a questão da memória dos lugares, das suas histórias e
abandonos.
O filme de Mozos apresenta "fragmentos de espaços e tempos, restos de
épocas e locais onde apenas habitam memórias e fantasmas. Vestígios de
coisas sobre as quais o tempo, os elementos, a natureza, e a própria
acção humana modificaram e modificam. Com o tempo tudo deixa de ser,
transformando-se eventualmente numa outra coisa. Lugares que deixaram
de fazer sentido, de serem necessários, de estar na moda. Lugares
esquecidos, obsoletos, inóspitos, vazios." Uma viagem por lugares
vazios, pelos sons que os habitaram, por textos e camadas de referência
que a eles se referem.
Lee Anne Schmitt passou os últimos anos a viajar pela Califórnia e a
investigar a história das cidades fundadas por corporações e
colectividades empresariais. Cidades satélites, artificiais, a orbitar
em redor dos grandes centros económicos da Califórnia, muitos dos
locais são hoje praticamente abandonados, vestígios históricos da
exploração capitalista ao longo do século. O filme de Lee Anne Schmitt
instala-se nos locais para deles extrair uma imagem "histórica", com um
rigor que lembra os filmes de James Benning (de quem foi aluna) e o
interesse na investigação e clarificação que se encontra nos ensaios
cinematográficos de outro dos mais importantes cineastas
norte-americanos, Thom Andersen. Mas a cineasta transforma o filme numa
obra sua pela forma como organiza a viagem pelos lugares, como põe em
destaque as diferentes camadas e estratos que definem a paisagem
americana e as diferentes histórias que encerra.
O cineasta francês Sylvain George junta-se ao grupo de convidados de Serpa para nos ajudar a reflectir sobre as formas do cinema militante e sobre a acção política/ cinematográfica e o activismo.
Formado em Filosofia e tendo trabalhado essencialmente nas áreas
sociais e das ciências políticas, os filmes de Sylvain George filmados
em diversos registos e formatos constituem ensaios poético-políticos e
retratos sobre a realidade da imigração em França, numa série de
manifestos, "contra-fogos" e filmes de combate. A contribuição de
Sylvain George ajudar-nos-á a pensar sobre o que é que pode ser o
cinema militante, as suas limitações e possibilidades concretas de
intervenção. Apresentar-se-ão filmes como Un homme ideal, Qu'ils reposen en révolte (Des figures de guerre). Encontra-se igualmente a realizar um filme a partir dos textos teóricos (e imagens) do filósofo Guy Hocquenghem.
O Doc’s Kingdom é um encontro internacional de reflexão sobre o
cinema documental que inclui a projecção de obras relevantes produzidas
nos últimos anos e a realização de debates onde é dada a oportunidade
de contacto directo com os realizadores dos filmes e diversos
profissionais, fomentando a análise e discussão sobre os caminhos do
cinema contemporâneo. Nas edições anteriores estiveram presentes
convidados como Sergei Dvortsevoy, Rithy Panh, Pedro Costa, Avi
Mograbi, José Luis Guerín, Catarina Alves Costa, Nicolas Philibert,
Sato Makoto, Ivo Ferreira, Zhong Hua, Andrijana Stojkovic, Catarina
Mourão, Gert de Graaff, Klaus Wildenhahn, Mercedes Alvarez, Victor
Erice, Giuseppe Morandi, Li Yifan, Mohamad Al Roumi, Frederick Wiseman,
Rahul Roy, James Benning, Peter Nestler, entre outros.
Inscrições até 5 de Junho.
Atenção: alojamentos limitados.
DOC’S KINGDOM 2009
Reinterrogar a imagem política
Ainda nas cinzas dum século que foi da política e do cinema, como pensar hoje as relações entre estes dois campos?
Começando por evocar gestos seminais de uma época em que já tinham sido questionados radicalmente os termos
dessa dicotomia (a viragem dos anos sessenta para setenta), avançamos depois para filmes recentes que nos ajudam
a pensar o intervalo decorrido e a abertura de novos ciclos. Por um lado, obras em que pesa a agonia dum tempo –
a política depois da política do século XX, a política depois da política. Por outro, explorações cinematográficas de
territórios marcados pela memória, ou pela ruína desse tempo. Por outro ainda, novos libelos políticos directos que,
num equilíbrio hoje raríssimo, se desenrolam também como um discurso sobre o uso da imagem. Algumas pistas,
num programa que não se pretende sistematizador, antes é feito de interrogações parciais, de títulos que podem
abrir fendas nos clichés que perduram. Ainda e sempre: o que é uma imagem política?
www.apordoc.org