Filo-Café no Clube Literário
Estão abertas as inscrições para este filo-café.
As áreas de inscrição abrangem:
pensamento, performance, teatro, música, poesia, curta-metragem, fotografia.
As inscrições podem ser feitas enviando para incomunidade@gmail.com o nome do participante e a área em que se inscreve. Qualquer dúvida poderá ser saneada através do tm: 965817337.
Estará também disponível, desde já, o habitual dossier sobre o tema
aberto a todas as contribuições. Este dossier será permanentemente
actualizado de acordo com as recepções.
Entre outras manifestações, proceder-se-á, neste filo-café, à apresentação do livro:
A beleza da tua alma faz-me tremer de Rogério Carrola.
Inscrições (em actualização permanente):
Alberto Augusto Miranda (porto, teatro), Alexandre Teixeira Mendes
(porto, pensamento), Amilcar Mendes (porto, poesia), Ana Marta Fortuna
(Porto, teatro), António Pedro Ribeiro (braga, poesia), Artur Alonso
Novelhe (ourense, poesia), Belém Andrade (Compostela, poesia), Carlos
Lourenço (sto antonio dos cavaleiros, performance), Conceição Paulino
(porto, poesia), Concha Rousia (Xinzo de Lima, poesia), Henrique Dória
(porto, pensamento), Hugo Veloso (rio tinto, performance), Jorge Taxa
(porto, pensamento), José Manuel Barbosa (braga, poesia), Nuno
Florencio (lisboa, teatro), Pedro Estorninho (lisboa, teatro), Peter
Jensen Silva (braga, música), Rogério Carrola (tortosendo, poesia),
Salviano Ferreira (oliveira do douro, poesia)
Dossier Permanente:
Da beleza perdida aos "interfaces"
O
culto da beleza é talvez um dos exemplos que caracterizam a concepção
tradicional da arte europeia depois de séculos. Trata-se aqui de
submeter à apreciação o lugar da beleza hoje? Recontextualizar a beleza
perdida (inassimilável) no alvorecer do século XXI? Quando hoje se diz,
por exemplo, que o sublime é o tema exclusivo da arte na
pós-modernidade? Poderemos conceber a arte que tem como meta produzir
um sentimento de beleza? Mas, dando que se aceita semelhante critério,
por acaso não nos assistirá ao menos o direito de nos perguntarmos se
este discurso - talvez um pouco exagerado - é ainda possível? O que
interessa fixar como ponto assente é que desde há um século que as
artes não encaram o belo como seu objecto principal mas sim consoante
muito bem nota Jean François Lyotard - como algo que diz respeito ao
sublime (O inumano, Considerações sobre o tempo, Lisboa, Ed. Presença,
1990, p.139). Revertendo ao nosso problema: torna-se bem claro que o
sublime ilustra em sua história o cruzamento do limiar que designa. A
sua génese vem do latim sublimis, isto é, sub = "até o" e limem = "o
lintel". De um ponto de vista etimológico esta noção – talvez
originalmente advinda da arquitectura - é suficientemente rica para que
através dela nos seja possível reconstituir o seu uso que impele a
ideia - repetimos - de ir até ao lintel e se elevar acima do topo,
alcançando a pura transcendência, de modo que o "sublime" passa a
significar aquilo que vai além do limiar.
Sublimação, deriva e desejo
Então
como se pode abrir caminho à beleza? Partindo das suas diferentes
configurações (inclusive a partir de eros)? Sabendo-se, a este
respeito, que o culto da beleza na cultura ocidental permanece
associado aos mecanismos do desejo? Podemos assinalar que a génese da
pulsão é o corpo o que nos leva a concentrar a nossa atenção na
linguagem como ponto de partida – a ordem simbólica - pois, como
observamos, todos os objectos do mundo passam a ser significativos? A
relevância do corpo-linguagem e das pulsões é geralmente lembrada em
termos freudianos. Começaremos desde já por assinalar os seus três
registros: real, simbólico e imaginário. E, por isso, os conceitos de
sujeito, saber e verdade, na sua conformação especial, são um todo
coerente. Como entender a realidade transfiguradora de eros que confere
o esplendor da beleza a tudo aquilo que toca? Tomando em conta a
prevalência do sujeito intervalar onde o corpo-pulsão torna-se
psiquismo-representação?
Erotismo e "amor-paixão"
Mas
expliquemo-nos um pouco mais pormenorizadamente. Aprofundando a
investigação histórico-antropológica, claramente se vê a mística e o
erotismo que têm obscuras afinidades com o trágico e a morte. Dir-se-ia
que o erotismo e a religião, num sentido absoluto, se comprazem na
proximidade do "demens". É aquilo que precisamente se comprova
observando que a emoção religiosa e a emoção erótica estão de tal modo
entrelaçados, que se torna difícil discernir até que ponto, cada qual,
pode em dado momento, encontrar-se defronte essa amálgama de tormento e
desejo, inacessível? George Bataille (cujo ensaio sobre o "Erotismo"
foi publicado nos finais dos anos 50) argumenta que a catarse trágica,
o êxtase místico e o orgasmo erótico representam estados de espírito
estreitamente aparentados. Eis por que o sentido último do erotismo é a
morte. Distinguindo de uma só vez o erotismo dos corpos, o erotismo dos
corações e o erotismo sagrado, que, até onde nos é dado perceber,
constituem aspectos da "vida interior" do homem, o autor de "Azul do
Céu" extrai uma consequência imediata e inevitável: a interdependência
entre proibição e transgressão. Parece, pois, com efeito, que a beleza
e profanação são, nessa classificação esquemática, complementares. Isso
basta para concluir pela necessidade imperiosa de outra leitura da
história da beleza e do erotismo (para a compreensão da natureza
específica das "situações limite"). Resta saber porque razão, e em que
medida, a beleza e o erotismo conduzem ao "transbordamento". Não resta
dúvida, se pensarmos um pouco detidamente, de que a mística e o
erotismo (na sua embriaguez extática) têm obscuras afinidades com o
trágico e a morte.
"Em sua nostalgia erótica e mística da união, – como escreve
Walter Schubart -, o homem choca-se contra as barreiras da sua
individualidade" (Eros e Religião, Ed. Artenova, 1975, p. 135). Estas
variações não ficam por aqui, nesta questão. Há igualmente a considerar
Dennis de Rougemont que, no livro clássico "O Amor e o Ocidente",
interpretou a experiência do "amor-paixão". Ficamos sabendo que -
situando-se para além da moralidade e legalidade - ditou por si só a
linguagem obscura da poesia prevençal. E de facto, poder-se-á encarar
esta poesia apenas como uma "assinatura-mundo" a partir de eros e,
sobretudo das profundezas do demoníaco? Na realidade, porém, ao que
parece, a paixão – interdita, o amor inconfessável - , nunca deixou de
confrontar-se com o indizível ou os chamados constrangimentos sociais.
Dito isto, não surpreenderá que afirmemos que o amor feliz – enquanto
reencontro e conversão recíproca - não tem história na literatura
ocidental. Aqui deparamos com o grande achado dos poetas da Europa: a
obsessão de conhecer através da dor. É a história desse desejo de fusão
mística – o culto libertino da beleza - que se opõe ao instinto de
possessão.
Ubiquidade e "alento da musa"
A
ideia de beleza, tal qual aqui a concebemos, não poderia ser concebida
com o estudo da produção e percepção do belo? O não-representável? Como
fazer que a beleza aflua à nossa arte (a partir da utopia negativa da
cultura electrónica contemporânea)? É esse o problema. É à volta deste
tema – a ubiquidade do belo – que parcialmente se contrói a
"Aesthetica. Vejamos, porém, um pouco mais pormenorizadamente, como é
que se faz uma revisão necessária do que foi e do que é a beleza. Esta
atitude de quem se volta para a beleza já de si implica, sem dúvida
alguma, o reconhecimento pela nossa parte do êxtase, da "fissura"
ontológica, o "rasgão", o "não-saber" que desnuda? Que vem, porém, a
ser a beleza da poesia que se nos dá como arte verbal
("contra-discurso" transgressivo)? Poder-se-á assimilar a poesia ao
duende e o aduendado de Garcia Lorca? Que supõe, porém, algo
convincente, abrindo margem assim ao "sublimis"? Quem se dispõe à
beleza alucinatória que não cessa? Ao "transe"? Platão afirmava que
ninguém seria bom poeta sem o sopro da loucura (ekstasis). O termo
ekstasis significa "saída de si próprio". A poesia supõe a inspiração,
uma inspiração do poeta por uma força divina – Musa ou Apolo – ou um
"fora de si". A beleza que vamos tratar aqui é aquela que "articula" e
"requer" o "Alento da Musa" (para usar um título do poeta galego
Alberte Momán). A palavra "musa" soa aos ouvidos com um imemorial
acento grego, como um eco de Petrarca; evoca o "eterno-feminino", que
tem a virtude polarizadora de nos revelar a beleza e a plenitude da
expressão. As musas trabalham para nos inspirarem. Ora, entre outras
ficções, e como talvez a mais importante de todas, as musas são uma
faceta inspiradora activa (colocam-nos, porém, diante das imagens
inspiradoras que podemos encadear a manejar criativamente).
Paisagem, geografia e "derrota do pensamento"
A
"matriz" da beleza será bastante conforme à dos "campos visuais", entre
geografia e paisagem? Visando a necessidade do reconhecimento, pela
nossa parte, da necessidade de atender o baixo, o humilde, o húmus, a
terra, o acontecimento? Estritamente falando, a geografia se cinge à
percepção, ao passo que a paisagem ao sentir. Talvez seja preciso
acrescentar que, segundo Jean-Marc Besse, a paisagem é o
inobjectivável, o irrepresentável (Ver a Terra, Seis ensaios sobre a
paisagem e geografia, Perspectiva, São Paulo, 2006, p. 81). Na
realidade, porém, ao que parece, o saber geográfico é a expressão das
aventuras de um olhar viajante (Ib., p. 82). Pode parecer
surpreendente, mas a beleza da terra já não está viva no presente.
Efectivamente os campos da lavoura e da agricultura
transformaram-se em "indústria alimentar". Já só visualizamos o futuro
como catástrofe. Fala-se hoje, insistentemente, das ameaças de
destruição global que colocaram um fim às representações clássicas do
progresso moral da humanidade. Tudo isso nos leva ao reexame dos dados
exteriores deste apocalipse que contribuem para assinalar as incertezas
e a miséria do racionalismo. A experiência da nossa época – onde se
assiste à reconfiguração e novas coordenadas de um "sistema-mundo"
dominado pela evaporação do "estado-nação" - mostra-nos que tendemos à
fragmentação do sujeito, da expansão ilimitada das diferenças, de
identidades mutantes ou, por via de regra, de identidades múltiplas. Já
vimos que, bem examinada, a "cultura digital" - a cibercultura – faz
sobressair "os modos de fazer mundos". Em tempos de reafirmação da
"sociedade do espectáculo" – da"derrota do pensamento" segundo Alain
Finfielkraut - , onde se assiste à contínua agressão da natureza e se
tende a valorizar o super-realismo mediático e televisual é necessário,
constatar, com efeito, a predominância da racionalidade técnica, que
está no centro da reflexão heideggeriana (a modernidade como época da
técnica). Vários indícios caracterizam a dessencialização do homem e,
frequentemente, a devastação da terra. Por outro lado, tornam-se cada
vez mais frequentes os chamamentos às ofertas de redenção financeira,
tecnológica e política (onde repetidas vezes se assinalou o consenso
liberal e democrático). Ninguém acredita já opção na "estética da
comunicação" (e já o apontamos) que significa o predomínio do
esteriotipado e do banal. Pode-se discutir se a obra da arte (na sua
autenticidade) será portanto bastante conforme à comunicação imediata
ou se identifica com o "articular" os próprios limites da comunicação.
Nela se reata essa contra-parte da linguagem falada: a chave que abre a
porta para o incomensurável da beleza perdida? Os "inter-faces"?
Parece-nos
oportuno chamar a atenção para o "ver primordial": o pensar-poetar.
Como falar da beleza ante um mundo "real-virtual"? Da "pós-realidade"?
De que adianta afirmar o valor do prazeres (in)sublimados? A beleza
torna-se in-evidente? Cegante - se tal conexão das palavras é permitida
– incompreensível?
Alexandre Teixeira Mendes
--
incomunidade
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